- O que a sra. está bordando?
- Tricotando. Tricoto cachecóis há muito tempo.
- E como a sra. se chama?
- Isso nem importa mais.
(ela quase recuou nessa hora, mas se interessou ainda mais)
- Eu gostaria de saber seu nome, porque gosto de pessoas que tricotam cachecóis.
(ela a olhou e quis sorrir)
- Alice. Meu nome é Alice.
- Ah! Que nome mais bonito... Sou Thaynara. Prazer!
- Certo. Thaynara? Nome grande, 8 letras.
- É... Isso tudo. Em 8 letras eu me caibo. E a senhora em 5. (sorriram) Mas por que a sra. tanto tricota cachecóis? Aqui nem faz tanto frio, é pra vender? A sra. pode me contar?
- Contar? É só o que faço. Posso sim. Interessante. Ninguém quer saber porquê tricoto tanto, você menininha, é a primeira pessoa, primeira gente que me pergunta sem deboche. (e agora a parte que a chocou mais) Tricoto cachecóis pra ver quantos caberão até acontecer a coisa boa que quero. Tenho mais desses no meu quartinho.
- Minha nossa, fantástico!!! O que é a coisa boa que a senhora espera? Pode me contar?
-Eu espero uma felicidade que ainda não veio. Uma coisa boa só pode ser felicidade né?
- Só pode ser..
- Pois é. Eu espero isso tricotando cachecóis. Quando essa tal felicidade me chegar vou contar quantos cachecóis tricotei e saberei e saberei quantos consegui, que dizem nas escolas que números nunca acabam né?
-Infinitos. Existem aos montes. Como a areia da praia, as gotas do mar, essas coisas.
- É... estrela é coisa que não se sabe o fim também né?
- Não. São infinitas. A senhora é muito paciênte né? Lhe admiro... Porque que a sra. ao invés de ir esperando e tricotando cachecóis não vai logo, de vez, atrás da sua felicidade?
- Menininha a vida ensina a todo mundo esperar... Eu só arranjei um jeito de passar o tempo. Minha felicidade sumiu no mundo levando meus 2 filhos.
- Nossa, desculpa ter perguntado isso. Perdão! Mas a senhora não é nenhum pouquinho feliz?
- Não. Nem feliz e nem triste. Sou cinza, cinzenta, pelo mundo andando... Vou de cidade em cidade debaixo desse sol.
- Nem é. A senhora é muito muito colorida, viva! Repare. É bonito isso de tricotar cachecóis. A senhora aceita uma coisa se eu lhe der? (ela sempre carrega bobagens na bolsa e pensou que poderia alegrar dona Alice, com algum agrado.)
- Não tenho dinheiro.
- Mas é um presente de amigo! Não quero dinheiro.
- Presente? Amigo? Há tempos não tenho nem um, nem outro.
- Pois agora vai ter os dois! Toma são seus. (ela tira da bolsa 5 chocolates e lhe entrega. ela fica sem ação, talvez desconfiada, porque não emocionada?)
- Menininha do céu! Sabe quantos anos eu não ganho um presente? Nem me lembro mais... Muito obrigada, obrigada, muito agradecida mesmo. Mas então coma um chocolate comigo, igual amigo.
- Claro que sim. Qual a senhora escolhe pra me dar?
- Ai, o de papel rosa, igual a flor que é você, menina do céu.
- Ô muito grata! A senhora é uma amiga muito gentil. E, qual cor a sra. vai comer 1º?
- O verde, que eu gosto é de verde.
(comeram os chocolates e ela quase nem lembrava mais do intenso sol na cabeça. ela gosta muito de estar com as pessoas).
- Pois é dona Alice, eu tenho que ir. Meu ponto está chegando,vou visitar minha irmã que ganhou uma menininha... Foi muito bom encontrar a senhora e, agora, somos amigos ok? Um dia, quem sabe, a gente se encontra e, nesse dia eu quero saber quantos cachecóis a senhora tricotou até sua felicidade ter chegado. Ela vem chegar, por mais que demore. Acredite viu? A senhora merece.
- Ah, mais já? É, gente de bem vai visitar a família. Satisfação conversar com a senhorita, tão novinha, muito 'dilicadinha', uma rosa! Obrigada pelo presente. Vou guardar os papeizinhos tudo! Vou rezar à Deus que a senhorita seja bem feliz sempre, sem precisar tricotar tantos cachecóis.
-Sério? Legal demais. São seus presente os bombons. Muito prazer e tudo de muito bom pra senhora. Vou orar todos os dias para que a senhora encontre a sua felicidade também viu? Verdade mesmo isso.
(como boas amigas apertaram a mão uma da outra, seu ponto era daqui há 2 ela precisava seguir. Já ao lado do motorista,lá na frente do ônibus, viu que dona Alice lhe acenava falando algo, pediu para esperar mais um pouco - com certa dificuldade veio na direção - para lhe mostrar uma coisa. Era o cachecol que ela estava tricotando - quando começaram a conversar - pronto e com ele, Dona Alice veio e entregou a ela o cachecol pronto.)
- É! Você!
(ela pasma de emoção, um sorriso enorme!!!)
- Eu?Que lindo!!!
- É, em anos da minha vida, a primeira felicidade que veio né? Justo nesse ônibus né?
- Minha nossa dona Alice. A senhora me mata de emoção!!! Grata minha querida!!! Felicidade foi a senhora que me deu agora. Grata infinitas vezes.
(buzinas! sim as pessoas tem pressa.)
- Vai com Deus que você é estrela menininha. Seus pais tem uma pérola, um jóia preciosa em casa viu?
(O ônibus vai se afastando devagarinho.)
- Um beijo minha querida! Felicidades! Grata, grata, grata. Até mais!
.
.
.
Ela seguiu assim acreditando em anjos. Acreditando que as pessoas são mesmo lindas e delicadas por demais. Ela está, ainda, emocionada. Tanto que só pensa em, um dia, encontrar dona Alice, com sua felicidade à tira-colo.
Seguiu pensando em quantos cachecóis irão caber nessa espera tão solitária dela.
Seguiu pensando em suas próprias esperas, do tanto que isso pode ensinar-lhe.
Seguiu.
Seguiu por que (nós), as pessoas, sempre seguem.
Em frente.
...
O coração dela hoje anda silencioso demais... reflexão
P.S: Eu ia colocar uma foto do cachecol azul que dona Alice me deu,mas minha câmera estragou =(